Depois dos 65 anos Resolvi voltar a ser criança.
Percebi que não era difícil. Comecei pelas contas, troquei as do banco pelas
das balas da mercearia. Resolvi que não sabia sorrir no emprego, talvez isso
fosse a causa dele ser chato, vários papéis com palavras chatas, enfadonhas. Montei uma pastelaria, sonho antigo, adoro
pastel, ia as feiras e sempre comia dois, carne e queijo, caldinho de cana,
docinho, como mel. Passei a não usar terno, aquilo cobria me até os braços, me
faz lembrar roupa de hospício. Usava minha camiseta mal passada, uma antiga com
furos, tão solta, confortável. Quando
percebi que criança não tem medo de lama, gosta de bicho e anda sempre de pés
descalços, e eu adorava fazer isso, mas agora tinha pavor de chão: “Chão
imundo”. Comecei a andar de pés descalços e muitas vezes sujo de brincar com
meu quintal. Lembrei que eu gostava de versinhos, cordel e samba, papai sempre
cantou versos, toadas, samba de coco, aquilo era alegre, a família em volta,
uns usando a mesa como instrumentos, outros um balde, carne assada, milho
assado, uns dançando, mas todos sorrindo mas, hoje não posso contar com a família,
mas posso cantar versinhos: “ Moça dos olhos de mel
Com seu caminhado danado
Com seu
Sorriso de fel
Deixou-me apaixonado”
Assim fui me adaptando, muitas coisas pra
transfigurar a inocência, espero continuar tentando até meu ultimo dia voltar a
ser criança.
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